terça-feira, 30 de julho de 2013

silvestre


à beira do caminho,
uma flor.

(fecho os olhos, à procura
do verso ou da palavra que alumie
o indizível)

Indiferente,
olha o céu e cresce.



(Famalicão, 30-07-2013)

terça-feira, 9 de julho de 2013

abertura

"Montes maninhos". Ouvi a expressão, pela primeira vez, da boca da minha avó Maria, no meio de uma das muitas orações populares que me contava à noite, quando dormia em casa dela. Tratava-se, creio, de afastar as trovoadas para os montes incultos e ermos,  onde não desse prejuízo...
Gostei da expressão. Talvez por me lembrar os rosmaninhos e o aroma agreste da serra de Famalicão (que, no geral, tem muitas semelhanças com as outras serras...), com as suas cores de fronteira, que junta o pó negro dos lameiros do Quêcere, a correr para o Mondego, por entre pedras e "carriços" com o barro vermelho da encosta que desce para o Vale do Zêzere.
Ao fim de tantos anos, já não sei bem se é o cheiro que me vem à memória, se é a  memória que se espevita, como um velho lume meio apagado, quando o vento quente me traz esse olor inconfundível do mato, do pó das veredas e da lengalenga morna da bicharada...
Hoje, em particular, outras memórias se sobrepõem a estas mais antigas. Outros sentimentos, também.
O último dia do Sérgio "amanheceu feliz", como começa o poema de Torga, na lápide do memorial, na Barroca de Monte. Era um dia igual aos outros, até que a mão invisível cortou o fio que prendia o Sérgio e os cinco sapadores chilenos ao chão da serra.
Ali perto, atarefávamo-nos a abastecer tanques e a refrescar os rostos suados. Alheios à agonia. O nosso mundo fica assim muito pequenino, de repente, nas horas de aflição...
Nunca escrevi nada para ti, Sérgio, desde esse dia 9 de julho. Desde que, às primeiras vozes de "já morreu gente", me recusei a suspeitar de que poderias ter sido tu e continuei, fechado no meu pequeno mundo, a acorrer às chamas que ameaçavam aqui e ali, à procura do meu pai, que tinha ido ver do pinhal... até me ajoelhar no pó do caminho, no choque da verdade.
Escrevi agora, e talvez magoe alguém com estas linhas. Claro que não foi para isso que o fiz, mas precisava de uma coisa boa para abrir o meu blogue.
E a tua vida foi boa. Como será sempre boa a tua lembrança. Apesar da saudade e da dor.
Ela está lá, mais forte, no ar quente e no cheiro selvagem do mato da serra. Nos meus "montes maninhos"...